Alexandre Magno Fernandes Moreira
É
uma nítida contradição querer-se liberar o porte e ao mesmo tempo
proibir o tráfico; em outros termos, proíbe-se a venda, mas permite-se a
compra.
O Brasil, a
rigor, não é uma nação. Exceto pela língua e por alguns costumes
compartilhados, não há nada que torne identificável o tipo-ideal do
“brasileiro”. Nós temos uma sociedade caoticamente formada por diversos
subgrupos e por uma vasta legião de pessoas que não consegue ter uma
mínima noção de hierarquia de valores. Os intelectuais mais bacanas
diriam a esse respeito “é assim que tem que ser, pois o nosso ideal de
sociedade é pluralista!”.
Tudo bem, as
diferenças devem ser respeitadas. Isso, inclusive, é a base da
democracia. Porém, temos um problema conceitual: uma sociedade
absolutamente pluralista não chega a ser uma sociedade pois não há
princípios morais fundamentais que façam as pessoas se associarem em
vista do bem comum. Aliás, bem comum é um conceito que nem faz sentido
sem uma compreensão amplamente compartilhada a respeito do que é o bem.
Mais grave ainda:
os problemas e dilemas morais continuam a aparecer e em uma velocidade
cada vez maior. Esses problemas devem ser resolvidos de alguma forma
mais cedo ou mais tarde. Contudo, essa solução não pode partir da
sociedade brasileira que, como visto, talvez nem exista como tal, mas da
grande entidade que nos unifica, o Estado. E, dentro do Estado
brasileiro, o grande órgão emanador de normas morais é o Supremo
Tribunal Federal (STF).
Não vou entrar aqui
na espinhosa questão se o superego realmente existe ou se é apenas uma
construção. Quero, porém, aproveitá-lo como uma metáfora da nossa
situação atual. Nesse sentido, toda sociedade precisa de um superego, ou
seja, uma instância que decida as grandes questões morais. Em uma
sociedade minimamente coesa, a função do superego é exercida pela
cultura comum. No Brasil, o STF já se tornou há tempos o nosso superego.
Um exemplo
claríssimo dessa função de “resolução das grandes questões morais do
país” é o atual julgamento pelo STF da constitucionalidade do porte de
drogas. Ora, a Constituição Federal (CF) nem ao menos se refere ao porte
de drogas; não é, portanto, uma questão expressamente constitucional.
Pior ainda: a própria CF determina, em cláusula pétrea, que o crime de
tráfico de drogas é equiparado a hediondo, ou seja, que está na
categoria dos crimes mais graves do sistema jurídico. É uma nítida
contradição querer-se liberar o porte e ao mesmo tempo proibir o
tráfico; em outros termos, proíbe-se a venda, mas permite-se a compra.
Não é preciso ser um jurista para perceber que há algo de absurdo nessa
equação.
Isso não impediu
que o relator do processo proferisse voto declarando a
inconstitucionalidade do porte de drogas. E como ele fez isso?
Utilizando um “procedimento mágico” bastante comum hoje na
jurisprudência: a resolução de “conflitos” entre direitos
constitucionais. Assim, ele disse que há conflito entre o direito à
intimidade e ao “livre desenvolvimento da personalidade” com o direito à
saúde e à segurança pública; para resolver esse “conflito”, ele
escolheu os direitos que mais lhe agrada e acabou por criar um “direito
ao entorpecimento, mas não irrestrito” (isso é sério).
Comentando na
imprensa esse voto, outro ministro do STF disse que o julgamento não
deve ser unânime porque a questão é moralmente controvertida. E você
pensando aí que a função do STF é fazer juízos de constitucionalidade e
não de moralidade...
Enfim, pense em
qualquer questão moral controversa, qualquer uma. Se um caso referente a
essa questão chegar até o STF, o tribunal dirá que esta é
constitucional, mesmo que a CF não tenha tratado disso em nenhum
dispositivo. E assim apenas onze pessoas, de perfil ideológico bastante
semelhante, tem determinado as concepções de certo e de errado de todo o
povo brasileiro.
Alexandre Magno Fernandes Moreira
é procurador do Banco Central, diretor jurídico da Associação Nacional
de Educação Domiciliar (Aned) e autor da obra “Direito Penal
Contemporâneo, Volumes I e II”, que pode ser obtida no seguinte site: https://www.smashwords.com/books/view/572500.
Fonte: Mídia Sem Máscara
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