Eguinaldo Hélio Souza
Se a
luta de classes é o motor da história, então o cristianismo é o freio. E quando
me refiro ao cristianismo falo do cristianismo bíblico, que emerge como padrão
dos escritos dos evangelistas e apóstolos, o cristianismo do Novo Testamento.
É
fácil perceber nestes documentos antigos o quanto sua doutrina e sua prática
levaram reconciliação às classes sociais, ao invés de instigar uma revolução
social como queriam os zelotes, esquerdistas da época. Tão importante quanto a
reconciliação do homem com Deus era a reconciliação do homem com o homem,
independente de sua classe social. Eis o cristianismo apostólico.
Nascido
em meio ao sistema escravista, suas páginas ordenam aos escravos que sejam bons
escravos. Sim. Absurdo dos absurdos! É de chocar o homem moderno.
Vós,
servos, obedecei a vosso senhor segundo a carne, com temor e tremor, na
sinceridade de vosso coração, como a Cristo, não servindo à vista, como para
agradar aos homens, mas como servos de Cristo, fazendo de coração a vontade de
Deus; servindo de boa vontade como ao Senhor e não como aos homens, sabendo que
cada um receberá do Senhor todo o bem que fizer, seja servo, seja livre. (Carta
do apóstolo Paulo aos Efésios cap. 6. Vers. 5-8)
Não
termina aqui. Agora é a vez do patrão, do dono de escravos, do amo. Ele também
precisa entender seu lugar neste universo de Deus.
E
vós, senhores, fazei o mesmo para com eles, deixando as ameaças, sabendo também
que o Senhor deles e vosso está no céu e que para com ele não há acepção de
pessoas. (Carta do apóstolo Paulo aos Efésios cap. 6. Vers. 9)
Revolução
das revoluções! O senhor e o escravo podem ser diferentes na ordem social, mas
não na ordem cósmica e universal. Perante ela ambos são iguais e darão contas
de acordo com seus atos.
Luta
de classes? Nenhum vestígio. A palavra de ordem é reconciliação.
Todavia,
isso não significa conformismo e aceitação de injustiça. O cristianismo
histórico colaborou com os poderosos na opressão dos pobres, tanto quanto lutou
contra esses mesmos poderosos em muitos momentos. Adequou-se ou desviou-se do
padrão bíblico. O cristianismo bíblico, entretanto, clama contra a injustiça:
Eis que
o salário que fraudulentamente retivestes aos trabalhadores que ceifaram os
vossos campos clama, e os clamores dos ceifeiros têm chegado aos ouvidos do
Senhor dos exércitos. (Tiago 1.1-4)
Igualmente
os escravos eram exortados a conquistar sua liberdade se assim pudessem. “Foste
chamado sendo escravo? Não te preocupes com isso. Mas se ainda podes conseguir
toda liberdade, aproveita a oportunidade” (1ª epístola do apóstolo Paulo aos
coríntios 7.21).
Vale
a pena considerar os estudos recentes do sociólogo americano Rodney Stark sobre
o crescimento do cristianismo. Esses estudos rejeitam a identificação do
cristianismo com a classe proletária. Na verdade, diferentes segmentos e
classes sociais abraçaram a nova fé.
Depois
que Judge [E. A. Judge – historiador do Novo Testamento] questionou a visão
proletária da Igreja Primitiva, desenvolveu-se entre os historiadores do Novo
Testamento um consenso de que o cristianismo baseava-se na classe média e na
alta (Scroggs: 1980)
Não
poucos estudiosos atribuem ao movimento metodista a responsabilidade por livrar
a Inglaterra de uma revolução sanguinária como a Revolução Francesa.
Novos
estudos têm gerado novas compreensões. A estabilidade social produz progresso e
foi isso que o cristianismo levou as nações. Mais uma vez temos de citar Rodney
Stark:
Um
novo e admirável estudo da autoria de Robert D. Woodberry demonstrou, sem
sombra de dúvidas, que se pode atribuir aos missionários protestantes a maior
parte dos louros pela ascensão e divulgação de democracias estáveis no mundo
não ocidental. Quer isto dizer que, quanto mais elevado era o número de
missionários protestantes por cada dez mil habitantes da população local em
1923, maior é a probabilidade de um determinado país ter hoje conseguido chegar
a uma democracia estável. O efeito do trabalho missionário é muito maior que o
de outras 50 variáveis de controle fundamentais, incluindo o produto interno
bruto e o fato de um determinado país ser ou não uma colônia inglesa.
O
cristianismo jamais jogou uma classe contra a outra. Reconciliou-as sem,
contudo, dogmatizar sua estratificação. “Não há judeu nem grego; não há escravo
nem livre; não há homem nem mulher; porque todos vós sois um em Cristo”
(Epístola do apóstolo Paulo aos Gálatas cap. 3 verso 28)
Não
há dúvidas de que há luta de classes por toda a história. A questão é o que
fazer com ela. Instigá-la ou freá-la. Acirrar os conflitos de classes ou
procurar reconciliá-los. Os marxistas conceberam a infeliz e irracional ideia
de que, se a luta de classes não acontece, eles têm de provocá-la, para
construir no futuro sua sociedade sem classes.
Marilena
Chauí, ao afirmar sob aplausos odiar à classe média, queria inflamar com seu
discurso de ódio o conflito entre os grupos como convém a todo bom marxista.
Neste caso, provavelmente, entre a classe média e a sua própria classe, isto é,
a classe alta. Porque proletária tenho certeza que ela não é. Mas o que esperar
dela? Como escreveu Alain Besançon, “não se pode permanecer inteligente sob a
ideologia”.
Fonte: Júlio Severo
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